Evidências científicas mais recentes sobre o uso de máscaras faciais durante o exercício físico
O uso de máscaras é difundido em alguns países orientais como China e Japão, entretanto, grande parte do mundo não está habituado a utilizar máscaras faciais e muitos tem dificuldades de se adaptar. Antes de descrever alguns estudos que tem sido publicados destaco para a importância de se perguntar: qual o tipo de atividade, quem, onde e qual a máscara? Todos estes fatores podem interferir nos resultados obtidos e nas recomendações sugeridas por órgãos de saúde.
No Brasil, as recomendações gerais, são para o uso obrigatório de máscaras faciais caseiras em ambientes públicos, sejam eles abertos ou fechados. Isso inclui também o uso de máscaras para a realização de exercícios físicos de forma indiscriminada (Nota Técnica PBH e PORTARIA SMSA/SUS-BH Nº 361/2020).
As máscaras médicas são amplamente recomendadas para um grande número de indivíduos, especialmente para profissionais de saúde que trabalham em hospitais por longos períodos (WHO, 2020).
Estudos de 2020 que abordaram esta temática
O efeito do uso de uma máscara cirúrgica e uma máscara facial N95 na capacidade de exercício cardiopulmonar foi recentemente relatado em um estudo.
É sempre bom lembra que a máscara N95 nunca foi indicada pela OMS para ser utilizada durante o exercício físico.
Fikenzer et al quantificou os efeitos do uso máscara cirúrgica, máscara FFP2/N95 ou nenhuma máscara em 12 homens jovens, saudáveis e fisicamente ativos (186 ± 13 min por semana).
Os voluntários foram submetidos a testes em cicloergômetro (60 rpm, carga inicial de 50 W e incrementos de 50 W a cada 3 min até a exaustão voluntária máxima.
Os 36 testes foram realizados em ordem aleatória e as respostas cardiopulmonares e metabólicas foram monitoradas por ergoespirometria e cardiografia de impedância. Dez domínios de conforto / desconforto do uso de máscara foram também avaliados por questionário.
Os parâmetros da função pulmonar foram significativamente menores com a máscara FFP2/N95 (Volume expiratório forçado, pico de fluxo expiratório).
A resposta de pico de lactato sanguíneo foi reduzida com a máscara N95. Os participantes também relataram desconforto consistente e acentuado ao usar as máscaras, principalmente às ffpm (N95) mas débito cardíaco foi semelhante com e sem máscara.
Também utilizando a máscara N95, outro estudo teve como objetivo avaliar os efeitos fisiológicos e hemodinâmicos de usar máscaras cirúrgicas e N95 durante exercícios extenuantes de curta duração (Epstien et al 2020).
Foram 16 voluntários homens jovens e ativos, que fizeram o teste de esforço máximo (na bicicleta, 25 watts/3 min até exaustão maxima) sem máscara, com máscara cirúrgica e com N95.
A frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial, saturação de oxigênio e tempo até a exaustão não diferiram significativamente entre todas as situações avaliadas.
O exercício com a N95 foi associado a um aumento significativo no dióxido de carbono expirado (EtCO2) porém, este é um tipo de máscara que não é indicado para a prática de exercícios físicos e sim somente para profissionais de saúde em ambiente hospitalar (WHO, 2020).
Outro estudo japonês (Otsuka et al., 2020) também recentemente publicado, investigou se o uso de máscaras cirúrgicas durante o exercício físico poderia afetar o limiar anaeróbio (AT). Uma pequena amostra de 6 homens saudáveis foram submetidos a um teste de esforço cardiopulmonar (CPX, 20 W/min). Para avaliar o efeito da máscara, os voluntários foram avaliados sob duas condições diferentes (com e sem máscara cirúrgica comercialmente disponível).
Foi determinado o AT, o tempo de AT, a carga de exercício, consumo de oxigênio e valores de ventilação. Neste estudo, os resultados obtidos não verificaram diferenças significativas entre as duas condições. Porém, o valor que mede a dificuldade respiratória percebida, aumentou significativamente ao usar uma máscara cirúrgica. Importante destacar que a intensidade do exercício físico alcançada por cada participante foi equivalente, independentemente da condição (usarem ou não usarem a máscara cirúrgica). E os autores concluíram então que o uso de máscara cirúrgica não afeta a função cardiopulmonar durante exercícios vigorosos.
O efeito do uso de máscaras faciais em intensidades submáximas também tem sido investigado (Lorenzo Boldrini et al 2020) e resultados sugerem que o uso de uma máscara cirúrgica se associa a uma maior falta de ar percebida. Enquanto, a freqüência cardíaca, o acúmulo de lactato sanguíneo e a taxa de esforço percebido não são afetados (duração de 15 minutos de exercício físico).
Exercício Físico no calor
Outra preocupação é o uso de máscara em ambientes quentes. E para isso, o grupo do Prof. Nybo, importante cientista na área de termorregulação, testou se o uso da máscara faciais afetaria o desempenho motor-cognitivo essencial para a segurança ocupacional (Morris et al. 2020).
A hipótese inicial era de que o uso da máscara afetaria desempenho cognitivo e desconforto térmico, mas não alteraria o equilíbrio térmico de corpo inteiro. Apesar do estudo não ter como objetivo principal avaliar o efeito do exercício, e sim da atividade física, ele traz informacões importantes mesmo que em uma pequena amostra de indivíduos.
Foram 8 participantes que realizaram exercício leve que “simulava” o esforço durante o trabalho profissional (45 min de trabalho leve, 100 W em cicloergômetro). Este esforço foi realizado com e sem a máscara N95 (aquele que não é indicada para exercícios físicos e sim para profissionais de saúde) em um ambiente com temperatura de 40 ° C e URA (umidade relativa de ar) de 20%.
Foram feitas avaliações do desempenho motor-cognitivo, medidas fisiológicas (temperatura retal, média da pele e temperatura facial local), medidas perceptivas (conforto térmico e dispneia)
A dispneia percebida foi agravada com o uso prolongado da máscara facial (p = 0,04), resultando em dispneia 36% maior em relação ao controle. Entretanto, nenhuma outra diferença foi observada. O desempenho motor-cognitivo não foi prejudicado, nem o esforço fisiológico ou desconforto térmico.
Apesar dos impactos autorrelatados negativos com o uso da máscara facial, apenas a dispneia foi agravada no presente estudo, reforçando as recomendações globais de uso da máscara, mesmo em ambientes quentes.
Teste de esforço em idosos
Devido a obrigatoriedade do uso de máscaras, especialmente em ambientes fechados, muitos médicos do esporte orientam os pacientes a utilizarem máscaras durante o testes de esforço. Estes testes são comumente realizados em ambiente fechados aonde o risco de contaminação é considerável e a distância de 1 metro pode não ser possível.
Publicado recentemente na Revista Espanhola de Cardiologia, uma carta ao editor que avaliou alguns efeitos fisiológicos do uso de máscaras durante o teste de esforço (Cano Carrizal et al 2020).
Os autores compararam testes sem o uso de máscaras realizados antes da pandemia (n=116 pessoas) e testes mais recentes com o uso de máscaras cirúrgicas (n=64), visto que como os próprios autores relatam que não é possível realizar os testes sem máscaras neste momento devido o risco de transmissão.
Os autores não viram diferenças entre os dois grupos que tinham idade média de 63 anos de idade. Não houve diferença entre os grupos para o motivo de interrupção do teste (fadiga muscular) e a carga alcançada foi similar entre os dois grupos.
Houve um aumento maior na pressão arterial (181.81 vs 173.77 mmHg; p=0.41) e no duplo produto (26 640 vs 24 621; p=0.19) no grupo com uso de máscaras.
A maior limitação deste estudo foi que infelizmente os que fizeram o teste com máscara não puderam fazer o mesmo teste na condição sem máscara, devido ao risco de contaminação segundo os autores.
Eles também apontam que não podemos descartar o fato da pandemia ter “descondicionado” o grupo que fez o teste com a máscara cirúrgica.
De qualquer forma, este estudo aponta que é possível fazer um teste de esforço com o uso de máscaras cirúrgicas. Segundo este estudo, usar as máscaras cirúrgicas não afetam a capacidade funcional dos pacientes que foram avaliados.
Os indivíduos envolvidos na prática esportiva em qualquer nível, precisam tomar decisões seguras sobre o uso de máscara facial durante o exercício físico.
Evidências científicas suportam que é possível utilizar máscara facial durante o exercício.
Importante enfatizar que a seleção de uma máscara torna-se um ato de equilíbrio entre manter o conforto, a respirabilidade e as preocupações com o controle de infecções (Janse et al 2020).
É recomendado que o manuseio da máscara após o uso seja cuidadoso a fim de se evitar contaminações. Além disso, durante o exercício a máscara pode ficar molhada e deve ser trocada antes que isso ocorra.
É possível se exercitar sem riscos com uma máscara, especialmente se o exercício for de baixa intensidade (Janse et al., 2020). No entanto, com intensidade moderada a alta, para algumas pessoas pode ser difícil fazer exercícios com uma máscara e segundo posicionamento recente não é indicado o uso de máscaras.
As novas recomendações da OMS (WHO, 2020) são de que:
- não se deve utilizar máscaras para exercícios intensos;
- caso o distanciamento (de pelo menos 1 metro), a higienização dos equipamentos e uma boa ventilação não seja possível, é necessário considerar fechar as academias temporariamente.
Referências
Mask use in the context of COVID-19 Interim guidance 1 December 2020 | COVID-19: Infection prevention and control / WASH.
Fikenzer et al., Effects of surgical and FFP2/N95 face masks on cardiopulmonary exercise capacity Clinical Research in Cardiology ( IF 5.268 ) Pub Date : 2020-07-06 , DOI: 10.1007/s00392-020-01704-y
Epstien et al. Return to training in the COVID-19 era: The physiological effects of face masks during exercise. Scand J Med Sci Sports. 2020 Sep 24. DOI: 10.1111/sms.13832.
Otsuka et al. Wearing a surgical mask does not affect the anaerobic threshold during pedaling exercise. Journal of Human Sport and Exercise, in press. DOI:https://doi.org/10.14198/jhse.2022.171.03
Lorenzo Boldrini et al. Wearing surgical masks does not affect heart rate and blood lactate accumulation during cycle ergometer exercise. J Sports Med Phys Fitness. 2020.
Morris et al. Prolonged facemask use in the heat worsens dyspnea without compromising motor-cognitive performance. Temperature, 2020; 1 DOI: 10.1080/23328940.2020.1826840
Cano Carrizal R, Casanova Rodríguez C. Surgical facemask: an ally of exercise stress echocardiography during the COVID-19 pandemic? Rev Esp Cardiol (Engl Ed). 2020 Oct 29:S1885-5857(20)30470-9. doi: 10.1016/j.rec.2020.10.007.
Janse et al. Year of the face mask: do`s and don’ts during exercise. S Afr j sports med. 29 de Julho de 2020;32(1):1–2.